Pandemia:
A pneumónica ou gripe espanhola II (continuação)
Tal como já referimos, o seu impacto foi maior entre jovens adultos e não nas vítimas habituais das gripes que eram essencialmente, os mais idosos e as crianças, os doentes e os subnutridos.
Por que motivo se designava de “influenza”?
Esta designação provém do italiano e liga-se ao facto destas gripes epidémicas, desde o século XVI, serem atribuídas segundo as teorias dessa época, a fenómenos naturais como a passagem de cometas ou meteoros, fenómenos sísmicos, erupções de vulcões, ventos e mudanças súbitas de temperatura, ou seja, à “influência” dos céus, portanto, “influenza corli”.
“Espanhola” pelo simples facto de as primeiras notícias do seu aparecimento estarem relacionadas com o país vizinho.
Por sua vez, a designação de gripe tem origem no termo francês “agripper” ou “gripper” que significa agarrar e que foi a designação adotada para designar um surto em 1743, passando, desta forma, para o vocabulário corrente em português.
Em Portugal, esta epidemia ficou vulgarmente conhecida por “pneumónica”, devido ao facto desta atacar fortemente os pulmões.
Desde quando se tem conhecimento das gripes?
A doença foi identificada já por Hipócrates.
No século XIX, conhecem-se variadíssimos surtos epidérmicos, alguns com escala mundial, sendo um deles a gripe “russa” que teria começado no Uzbequistão em 1889 e que terá causado 1 milhão de vítimas mortais.
A medicina da época mostrava-se impotente para combater a epidemia e o pânico gerado pela mesma também não ajudou.
Um dos cientistas mais eminentes na altura era Richard Pfeiffer, que pensava ter descoberto o bacilo causador da gripe. No entanto, tal como outros argumentavam, ele estava incorreto.
O agente era um vírus, tal como defendiam muitos cientistas, entre eles o português Ricardo Jorge, tendo sido este vírus só isolado em 1933, recorrendo-se a microscópios muito mais potentes do que os disponíveis do tempo da pandemia.
Assim, o vírus penetrava pelo nariz, afetando a garganta, as vias respiratórias e os pulmões, podendo desencadear pneumonias.
Em Portugal, a pneumónica fez-se sentir logo em finais de maio 1918, no Alentejo, com o regresso dos trabalhadores rurais portugueses da Estremadura Espanhola. A partir daí difundiu-se por todo o país. As peregrinações existentes, bem como as ligações comerciais entre Madrid, Lisboa e Porto também a favoreceram e facilitaram, assim, a disseminação da doença. Este primeiro surto, não muito mortífero, não foi muito levado a sério na população em geral, embora tivesse inquietado os médicos.
Em férias, nos finais de Agosto em 1918, iniciou-se a segunda vaga, sendo detetados vários casos muito graves em Vila Nova de Gaia e no Porto e alastrando rapidamente a todo norte do país, essencialmente, levada pelos soldados a quem foi dada autorização para regressar às suas localidades. A irradicação no Porto fez-se, essencialmente, em ambas as margens do Douro até à fronteira com Espanha, havendo, contudo, focos na zona central do nosso país e atingindo o Algarve em inícios de outubro de 1918.
Esta segunda vaga foi a mais mortífera de todas. A terceira vaga, por sua vez, desenrolou-se em abril e maio de 1919 e não teve o impacto mortífero da anterior.
No que respeita aos óbitos, Lisboa, Porto e Viseu foram os três distritos com maior número de óbitos, mas também temos de ter em conta o facto de serem distritos muito populosos.
Houve, no entanto, sete distritos em que a mortalidade de 1918 duplicou comparativamente a 1917,devido à pneumónica, ou seja, Coimbra, Vila Real, Leiria, Santarém, Faro, Viseu e Bragança.
Quanto ao género, ao contrário do que se verificou a nível mundial, em Portugal a pneumónica fez mais vítimas entre as mulheres.
Quanto à faixa etária, a mortalidade, devido a essa pandemia, atinge um pico entre os 25 a 35 anos.
A pneumónica atingiu todas as classes sociais e mesmo figuras públicas de relevo, como por exemplo: o rei de Espanha, o presidente dos E.U.A, os primeiros-ministros da Alemanha, França e Grã-Bretanha, o presidente eleito do Brasil, entre outros.
Em Portugal houve vítimas na alta burguesia e nas camadas mais elevadas da classe média, como por exemplo: o conde de Almeida Araújo, um neto do Visconde de Alvalade, os compositores António Fragoso e Pedro Blanco, os pintores Amadeu de Sousa Cardoso e Santa- Rita.
Vários médicos ficaram que na história estiveram ligados ao combate desta epidemia, como o médico higienista professor Almeida Garrett que superintendeu ao combate à mesma no norte de Portugal, sobretudo no Porto. O professor de medicina Joaquim Alberto Pires de Lima, que se encontrava na altura da segunda vaga na zona do Vale do Ave, onde acudiu a centenas de doentes, e o celebre Ricardo Jorge, grande autoridade em matéria de epidemias em Portugal e que dirigiu o combate em Portugal.
Cf: Sobral, José Manuel; Lima, Maria Luísa – A epidemia da pneumónica e Portugal…; Esteves, Alexandra – O Impacto da pneumónica em alguns concelhos… In CEM n.º 5/Cultura, Espaço & Memória.